quarta-feira, 23 de março de 2011

Viva os loucos do The Dresden Dolls!

Eu sou viciado em música. Pra mim, música é instrumento sagrado de transcendência. Talvez por isso me incomode tanto a atual cena “rock” brasileira e sua produção serial de bandinhas coloridinhas que entoam ladainhas sertanejas mal camufladas por guitarrinhas punk. Ah, como são insossas... E pensar que o nosso Brasil já pariu tantos doidos memoráveis: Caetano, Gil, Rita Lee, Ney Matogrosso, Raul, Tim Maia, Cazuza, Renato Russo e tantos outros.

Mas Deus é muito bom, porque ele criou a globalização, possibilitando fugas culturais pra lugares bem longínquos quando a música produzida na nossa própria cozinha, digamos, está com gosto de merda.

Foi com essa desesperada necessidade de libertação que eu assisti há uns dias atrás, no Multishow HD, algo que todos esses garotos coloridos deveriam assistir antes de se meterem a mocinhos do rock: The Dresden Dolls* – Live At The Roundhouse.

Tratava-se de uma mulher teletransportada diretamente de um cabaré parisiense (ou bordel, se preferir) do início do século passado, cantando melodias tão fascinantes quanto estranhas, com letras tresloucadas, fazendo-se acompanhar por um teclado com som de piano, que ela tocava insandecidamente, enquanto um comparsa seu, praticamente um personagem do cinema mudo, destruía um kit de bateria: ufa.

E, nesse fluxo frenético, eles por vezes abandonavam seus postos, assumindo novos papéis musicais e teatrais, de forma que eu, em certo momento, já hipnotizado, pude me deliciar com a imagem do adorável pirado do cinema mudo quebrando as cordas de um violão de aço ao mesmo tempo em que a encantadora maluca do cabaré sorvia uma cerveja no gargalo, exibindo suas axilas cabeludas, antes de bradar, mais uma vez, sua incrível rouca voz, para pintar mais uma tela sonora: ufa.

Piano, bateria, genialidade e irreverência: só. Guitarras elétricas? Quem precisa delas? Ali estava a prova cabal de que rock é um especialíssimo estado da mente, algo muito, muito além de cabelos e guitarrinhas distorcidas.

E como se já não fosse o suficiente, no final do show, várias pessoas da platéia, devidamente paramentadas, invadiram o palco, cantando e dançando, coletivizando aquele ritual libertário: genuína materialização de uma catarse aristotélica.

Sabe aquele êxtase raro que a arte nos proporciona? Aquele sentimento que nos faz querer velejar até a África e alimentar aquelas crianças famintas? Querer escrever um livro sobre as peripécias do nosso cachorro? Querer parar de comer carne e criar uma ONG em prol dos animais? Querer largar nossos empregos e montar uma trupe de teatro? Querer ter sete filhos ao invés de dois? Sabe do que eu estou falando? Pois foi isso que eu senti ao assistir The Dresden Dolls – Live At The Roundhouse.

E não é pra isso que serve o rock e toda arte que se preze: fazer nossos espíritos decolarem? Ora bolas! Alguém aí manda avisar aqueles garotos coloridos e os engravatados retardados que lhes compraram instrumentos musicais.



* The Dresden Dolls é uma banda estadunidense formada em Boston em meados dos anos 2000 por Amanda Palmer (vocal e piano) e Brian Viglione (bateria, guitarra e vocal). Descrevem seu estilo como cabaré punk brechtiano, e expuseram o movimento artístico Cabaré Dark, que começou a ganhar forma na década de 1990 com artistas como Salon Betty e Gavin Friday (Wikipédia).

sábado, 5 de março de 2011

Ah, a tecnologia...

Eu costumo me classificar como um entusiasta da tecnologia. Meus amigos podem atestar isso. Acho o máximo mesmo você poder se comunicar através de emails e celulares, baixar músicas de bandas de garagem do Azerbaijão, saber a opinião de pessoas comuns provenientes de todos os rincões do planeta, as novas perspectivas no tratamento de doenças, televisões 3d, videogames e o escambau.

Emails são as cartas do século XXI, sem deixar nada a desejar. Por exemplo, meu pai mora num sítio no nariz das Gerais, a 1.000 km de distância de mim, e trocamos cartas eletrônicas quase que diariamente, falando sobre o Corinthians, futebol em geral e até sobre coisas menos importantes, como saúde e trabalho. Isso não é pitoresco? Não tenho (e ninguém tem!) paciência praquelas correntes ou pros emails impessoais, mas isso é uma outra história.

Os celulares, por sua vez, fazem os homens se sentirem sempre presentes na vida familiar e, consequentemente, pessoas melhores. Que apetrecho anterior à segunda metade da década de 90, retroagindo até o big bang, seria capaz de facultar às mulheres interpelar os seus homens ausentes a qualquer hora do dia e da noite? Eu posso estar num bar, bebendo com amigos depois do trabalho, e ainda assim não me sentir culpado. Basta fazer uma ligação ou mandar um torpedo dizendo: “Aqui está tudo bem. E aí? Não vou demorar”. Sua mulher fica feliz, você fica feliz e o mundo sorri! Tudo bem, não é bem assim, mas não é culpa da tecnologia.

Poder ler livros digitais também é legal, se você pode fazer isso deitado (basta ter um notebook ou um iPad). Tem muita gente que fala que gosta de sentir a textura do papel, o cheiro do papel, que não abre mão disso e tal. Esquisito demais! Fico pensando que isso é uma espécie de tara sexual. O máximo da libertinagem, diga-se de passagem. Não ligo nem um pouco. E depois que trabalhei por dois anos na Caixa Econômica, quase soterrado na burocracia, jurei pra mim mesmo que concentraria toda a minha inteligência na construção de um futuro livre dos grilhões do papel. Foi nessa época que avaliei seriamente a possibilidade de ser roqueiro, jogador de futebol ou agricultor. Eu me traí, ao me formar em Direito, é verdade. Mas nos momentos de lazer, continuo desprezando o papel.

E poder gravar suas músicas em casa? Hoje em dia você compra uma placa de som, baixa uns programas de home studio e vam bora (minha irmã Lara dirá que não é tão simples, afinal, cadê aquelas músicas prometidas pro verão de 2010? Deixa pra lá). Você tem noção sobre o que significa pra um pseudo-músico ser proprietário de um home studio? Eu gravei umas coisas na época da Mago Veiako, minha saudosa banda, mas não gostava, porque minha voz ficava muito ruim e chegava uma hora que rolava uma vergonha do cara do estúdio e eu não pedia mais pra repetir. Hoje eu gravo em casa e repito infinitas vezes. A voz continua ficando ruim, mas isso também é uma outra história.

Agora, o top top top que a tecnologia pode te proporcionar, muito mais do que viagens espaciais ou congelamento de óvulos, é a possibilidade de baixar músicas pela internet. Não é politicamente correto, reconheço, mas eu comparo essa possibilidade a, a... Não tem nada que se compare a isso! Baixar é estar numa loja gigantesca de discos, onde estão doando tudo, e você sai pegando, pegando, pegando. Talvez seremos presos um dia, mas quem se importa, é tão divertido! Ouvir? Ouvir é legal também, mas legal, legal mesmo é baixar, baixar, baixar. Já pensou que pessoas compulsivas em jogos ou em sexo poderiam ser tratadas com a terapia da baixação? Seria assim: pessoas muito compulsivas seriam tratadas com baixação de músicas; pessoas exageradamente compulsivas, com baixação de músicas e filmes. Pra um cara doentio mesmo, tipo Michael Douglas ou Tiger Woods? Droga pesada nele: baixação de músicas, filmes e séries. Se não funcionar é porque o problema deve ser incurável; talvez se trate de um tarado em papel.

Enfim, é muito legal tudo isso. Daí me perguntam: E esse lance de GPS, você também curte? Bem, o GPS é um caso à parte, mas depois eu conto.